quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

Sex on the beach


“Todo vitalismo me aflige, é verdade”, diz o Alan Pauls na página 43 do seu A vida descalço (Cosac Naify, 2013). Mais adiante, continua:

“E sempre que topo com o célebre fotograma de A um passo da eternidade – provavelmente o logotipo mais popular que Hollywood já desenhou para promover as benesses do erotismo de costa – e o sargento Warden e Karen Holmes voltam a se beijar deitados numa praia do Havaí enquanto as ondas quebram sobre seus corpos orvalhando-os de espuma, nunca deixo de pensar na desconsideração da areia molhada, dura como uma tábua, provavelmente minada de bivalves invejosos, tão protéica e múltipla que cinco segundos mais tarde, quando o diretor Fred Zinnemann decidir cortar a tomada, já terá se transformado numa legião de cristaizinhos insuportáveis e fará das suas nas virilhas de Burt Lancaster e Deborah Kerr; penso em como diabos pode-se conceber um filme que passa do gênero bélico (uniformes militares, destacamentos, o ataque japonês a Pearl Harbor) ao drama romântico (trajes de banho, clinch íntimo dos amantes, adultério); penso na contribuição do mar, capaz de atrapalhar com sua onda mais tímida o mais entusiasta acasalamento humano; penso no efeito irritante do sal nos olhos; penso no momento em que os atores, depois de repetirem dez vezes a cena, irão descobrir o que o sol fazia com eles enquanto brincavam de eclipsar a Segunda Guerra Mundial com alguns minutos de paixão clandestina. Esfregar-se com outro corpo na areia, agarrar-se atrás da cortina do vestiário de uma barraca, acabar nus no reflexo das águas: as proezas mais clássicas do erotismo de praia são, para mim, além de inverossímeis, exemplos perfeitos de tudo o que não pode ser o prazer: desconforto, aspereza, hostilidade, interferência.”

Marry me.