“Todo vitalismo me aflige,
é verdade”, diz o Alan Pauls na página 43 do seu A vida descalço (Cosac Naify, 2013). Mais adiante, continua:
“E sempre que topo com o célebre
fotograma de A um passo da eternidade
– provavelmente o logotipo mais popular que Hollywood já desenhou para promover
as benesses do erotismo de costa – e o sargento Warden e Karen Holmes voltam a
se beijar deitados numa praia do Havaí enquanto as ondas quebram sobre seus
corpos orvalhando-os de espuma, nunca deixo de pensar na desconsideração da
areia molhada, dura como uma tábua, provavelmente minada de bivalves invejosos,
tão protéica e múltipla que cinco segundos mais tarde, quando o diretor Fred
Zinnemann decidir cortar a tomada, já terá se transformado numa legião de
cristaizinhos insuportáveis e fará das suas nas virilhas de Burt Lancaster e
Deborah Kerr; penso em como diabos pode-se conceber um filme que passa do gênero
bélico (uniformes militares, destacamentos, o ataque japonês a Pearl Harbor) ao
drama romântico (trajes de banho, clinch
íntimo dos amantes, adultério); penso na contribuição do mar, capaz de
atrapalhar com sua onda mais tímida o mais entusiasta acasalamento humano; penso
no efeito irritante do sal nos olhos; penso no momento em que os atores, depois
de repetirem dez vezes a cena, irão descobrir o que o sol fazia com eles
enquanto brincavam de eclipsar a Segunda Guerra Mundial com alguns minutos de
paixão clandestina. Esfregar-se com outro corpo na areia, agarrar-se atrás da
cortina do vestiário de uma barraca, acabar nus no reflexo das águas: as
proezas mais clássicas do erotismo de praia são, para mim, além de inverossímeis,
exemplos perfeitos de tudo o que não pode ser o prazer: desconforto, aspereza,
hostilidade, interferência.”
Marry me.