Toda forma de amor

A história era muito fácil pra ser outra: o cara mais novo era o companheiro do mais velho. Ainda que formassem um casal esquisito, havia uma inteligência, além de interesses e gostos comuns, que os ligava, e certa reverência do mais novo ao mais velho. A indicação de uma admiração genuína, que pode se parecer muito com um sentimento de dívida. Quando aquele citou filhos e chegou minha omelete, pensei “puxa, que bonito”. A hipótese que me fazia pensar “puxa, que bonito” era a de que o sujeito em questão tivesse levado uma vida heterossexual indesejada até finalmente poder assumir seu amor por outro homem. Aquele, à minha frente. Um homem mais velho. 25 anos, no mínimo. Falando de filmes como alguém que não parece mais pertencer a esse nosso tempo, em um restaurante meio decadente naquele limbo entre bairros, com garçons atentos à TV ligada que em minutos serviriam uma sobremesa flambada para a única mesa ocupada além da nossa. Ou creme de papaya com cassis. Era um jantar de trabalho, desses em que nada se resolve e em que a comida é uma merda. Feitas as despedidas, vão pra onde?, o sujeito mais novo não ia com o mais velho, e se despediram fraternalmente. Talvez não fossem de demonstrações explícitas em público. Dividimos um táxi, quase vizinhos. Eu devia ter percebido na primeira pergunta estranha, e também porque ele foi ficando pastoso: “Você mora com quem?”, como se fosse praxe morar com alguém. Mas as ilusões se desfizeram mesmo no momento em que o táxi parou na porta do prédio dele, anterior ao meu no percurso, e ele me perguntou se eu queria subir. Quem é que subiria com a promessa de amor quebrada assim?

Resistência

Amiga, não vai dar, baixei o app e já quero sair daqui.

(10 minutos depois)

Amiga, não rola. Reprovei todo mundo, ganhei 3 superlikes, me apavorei com a ideia de ter que conversar com essa gente. Além do mais, meu telefone não tem mais memória pra nada. Era o Tinder ou a possibilidade de continuar tirando fotos pra postar no Instagram pra fingir que estou ótima.