sexta-feira, 27 de julho de 2012

Trilha sonora

Depois de amargar uma ressaca e uma ventania desgovernada na praia,  Jeanne Duval me (nos) brinda com essa:

Uma seleção de músicas para serem ouvidas no táxi depois das 2:30 da manhã. A trilha sonora para aqueles momentos que:

- Você está bêbado demais para lembrar ao taxista de virar a direita no final da rua.
- Não pegou ninguém.
- Pegou quem não deveria.
- Pegou, mas mora com os pais.
- Ta obcecado pelo taxímetro porque ta com o dinheiro contado.
- Acha poético a luz dos postes nos pingos de chuva na janela
- Entrou numa bad e ta chorando baixinho em posição fetal no banco de trás.
- Ta dando aquela curtida casual no Facebook ou no Instagram
- Mandou um sms da derrota
- Sonha com um posto de conveniência no caminho, um Oliveira ou um Fornalha.
 Clique aqui para ouvir.  
 
 
 
 
 

quarta-feira, 25 de julho de 2012

Voluntários da pátria




Ela abre a porta do conjugado deixando escapar Ernesto, o gato. Me abraça, resgata o gato no corredor, deposita-o em cima da cama, senta-se ao lado dele e dispara, com a voz embargada:

- Estou oca...

- Estou de férias! – emendo, porque naquele momento essa parecia uma boa combinação, porque significava que eu conseguiria ficar acordada até meia-noite e meia, porque até esse horário poderíamos cobrir todos os aspectos que a poderiam estar deixando vazia.

Ela se levanta, pega minha bolsa, pendura minha bolsa, pega a sacola do supermercado, me entrega a sacola do supermercado, alcança o maço de cigarros, se dirige até a janela, acende um Marlboro Light. Telefono para a minha avó, que mais uma vez me passa a receita dos biscoitos. Abro os armários à procura de potes e tabuleiros, ela toma a dianteira, e enquanto termina de fumar eu misturo farinha, açúcar e fécula de batata. Quando jogo os tabletes de margarina ela se voluntaria, e enquanto a massa vai se formando ela narra os últimos percalços, as brigas, os porres, o esvaziamento.

Quando a campainha soa a massa já está pronta, o primeiro tabuleiro já está no forno e Manolo adentra o ambiente. Estamos ambas sentadas nos bancos altos, um deles meio detonado por causa de Ernesto,  o gato. Manolo pega o garfo e começa a achatar as bolinhas de massa (alegoria e adereços para biscoitos amanteigados), ela ameaça jogar canela em cima, eu impeço as barbaridades e ele desabafa:

- Eu não sei o que estou fazendo de errado. Eu cutuco as pessoas certas no facebook, acesso o Grindr, fico bêbado de sexta a segunda, ando sozinho na rua à noite e nada, zero, nem um estupro... 
Elas gargalham. Terminada a função biscoito, ela prepara um chá. Manolo se atraca com a web e começa a flertar, via chat do facebook, com D., que escreve repetidas vezes palavras como “irado” e “maneiro” e sem nem mesmo saber de onde D. tecla, já sentimos o aroma da parafina, do sol, do sal, do mar.

- Eu sou muito boa com flerte alheio. – ela assegura.
- Como é isso?
- É isso. Outro dia uma amiga trocava mensagens com um fulano, e tudo estava quase perdido porque ela não tinha muito traquejo afetivo, saca? Então peguei o celular da mão dela e virei o jogo. Em mais 3 mensagens estava marcado o encontro.
- Você se fez passar pela menina?
- Sim.
- Mas isso não é antiético?!
- Não.
- Mas você está enganando uma pessoa!
- Você é ator, que questionamentos são esses agora? A sua profissão é enganar gente!
- Você se passaria por mim agora?! – pergunta o Manolo, olhos brilhando enquanto alisa as costas de Ernesto, o gato.
- Dãr!

Ela se apodera da cadeira e eu começo a fabular um serviço de flerte personalizado. Imagine: eu estou em casa, chat aberto, abordo um beltrano, a conversa não engata. Nesse momento, num chat paralelo, vou colando o que beltrano diz, dou um background básico pra ela formular a conversa e ela me dá as falas, fabrica tudo o que vou dizer em seguida etc. Já pensei em como seria ao vivo também: um sistema de escuta, um ponto no ouvido. Seria a salvação da lavoura. Flerte sob encomenda. Fim dos suores, dos rubores, das unhas roídas, das frustrações, dos dias seguintes sem histórias pra contar, das bebedeiras por prêmio de consolação. Deliro, devoro biscoitos, quase não percebo quando o Manolo se despede, sai pela porta afoito pra encontrar F., um dos mocinhos com quem ele, ou ela, já não sei mais, teclava. Ainda faltava uma hora pro encontro, mas Manolo queria passar em casa, tomar um banho, dobrar o perfume.

Quando saí da casa dela, depois de encher a cara de chá, depois dela ter fumado quase o maço todo, depois de termos recebido uma mensagem do Manolo dizendo que o cara não era lá essas coisas, reticências, dei a senha do meu email pra ela e combinei que qualquer mensagem que eu recebesse de D., G., J. ou M. deveria ser respondida única e exclusivamente por ela. Eu não tomaria conhecimento do assunto até que ela me dissesse hora, dia e lugar, porque com ela na dianteira, essas coordenadas eram o único desfecho possível. Isto é: se eles algum dia se dignassem a me escrever.

Manolo está batendo ponto: uma vez por semana, pelo menos, ele me telefona:

- Vamos fazer biscoitos?
- Outra vez?
- Ou salada, risoto, petit gâteau, miojo, qual-quer coi-sa! 

Não demora muito e eu começo uma dieta. 



quinta-feira, 12 de julho de 2012

Email



De: Julieta
Subject: s.o.s

Gente,

Estou quase dormindo em cima do teclado. Alguém me conta uma história?

Beijos,
J. 

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Subject: Re: s.o.s

Hoje pela manhã fui perguntar pra diarista, a Odete, porque ela faltou ontem. Odete tem 50 anos com aparência de 60. Ela me disse que estava entrando na menopausa e começou a fazer reposição hormonal, ontem deu algum problema que ela teve uma hemorragia e ficou internada. Eu disse pra ela ir pra casa descansar, pra procurar um ginecologista e tomar cuidado com reposição hormonal, que era um assunto muito controverso. Já ia me despedindo quando ela entrou em prantos dizendo "o pior é que tudo acontece ao mesmo tempo. O Jorge me deixou." Jorge é um homem mais jovem que ela, desempregado e diabético, que ela sustentava há 15 anos. O pior, na verdade, é que eu já sabia que isso ia acontecer. A Mari fica com o V., cuja faxineira é irmã do Jorge, e ela já tinha fofocado para o V., que contou pra Mari, que passou pra mim, que "agora que o Jorge arrumou um emprego, vai largar a Odete". Me sentindo culpada decidi pelo menos ouvir os lamentos da coitada que chorava feito adolescente quando perde o 1º amor. Sem saber muito como lidar, comecei dizendo que homem nenhum merecia que ela ficasse tão pra baixo, que ela era independente, tem Sky em casa e que ia sair dessa. Apelando pra religião, a confortei mencionando que esse mundo dá muitas voltas, que a gente só entende as coisas que acontecem na nossa vida anos depois e que temos que ter fé no que Deus quer para nós.  Quem sabe Jorge não volta? Quem sabe se a saída dele de casa não traria um homem muito melhor? Vendo Odete ainda meio descontrolada, insisto que talvez Jorge nem seja assim tão bom e a tristeza que ela sentia não era da falta dele exatamente e sim da falta de se ter alguém. E foi aí que eu descobri o pior de verdade! Odete me diz que ela sente falta mesmo é do sexo. Que Jorge já não dava muito no couro por conta do descontrole da diabetes e que com sorte eles transavam uma vez por mês. Ela vivia tentando, mas Jorge reclamava que ela era muito fogosa e que depois de uma certa idade ela tinha era que parar com essas coisas. Mas pelo menos, ainda que uma vez por mês, ele esquentava a cama dela antes de dormir e ela sabia que teria a companhia dele todas as noites. Um pouco chocada, só consegui dizer que eu a entendia. Somos todas iguais. 

Como os nossos pais



Eventualmente a gente descobre o que está fazendo de errado e vai à luta. De 1938 pra cá, pouca coisa mudou, e tá aqui a lista pra provar que os nossos dilemas, salvo pequenos detalhes do figurino, ainda são os mesmos.




segunda-feira, 9 de julho de 2012

Astrologia para malogrados


Desde que Clayton Fabio, o astrólogo, falou que o segundo semestre de 2012 abria possibilidades concretas de um relacionamento sólido que ando entre a distração e o desespero. Ele disse setembro/outubro, mas que a pessoa não ia cair do céu e eu devia ficar atenta, dando chance às conspirações estelares. Que dependia de mim ter um par, que num descuido eu podia deixar passar um encontro. Que a primeira coisa que ele via no meu mapa e que gritava dentro de mim era uma necessidade de autossuficiência, e que isso podia não ser bom para o amor. Que eu não me deixava ser escolhida e só queria escolher. Minha analista faria um adendo: que eu só escolho errado.

Mas aos céus e aos fatos.

Se por um lado relaxei, afinal ainda é julho, por outro fiz a matemática. Uma pessoa com a minha lentidão e falta de foco demora de 4 a 5 dias pra perceber que um fulano pode ser interessante. Depois mais uns 2 para, olhando fotos da pessoa no facebook, sacar que sim, ele é charmoso, tem covinhas e uma barba muito atraente que provoca até mesmo certo descompasso coronariano. É assim: paixão retroativa.

Quando entendo que a pessoa tem potencial pra ser amada por mim, e que, de repente, que sabe, teria potencial pra me amar de volta, já se passaram uns 15 dias. Percebam, a contabilidade não está a meu favor. Em 15 dias, pessoas normais se conhecem, se beijam, se lambem. Pessoas como eu param na fase do se conhecer. Eventualmente, a fase do beijar chega com 3 ou 4 meses de atraso. Eventualmente, também, você passa 4 dias na mesma cidade que esse cara, cruza com ele todas as manhãs, tardes e noites e despensa toda e qualquer oportunidade de interação e interlocução. Não é por timidez ou autossuficiência, é por incompetência.

Posto isso, o desespero: se a previsão é de 3 a 4 meses para concretização de flertes (e não temos nenhuma garantia disto, aliás, no meu caso, a coisa tem acontecido bienalmente), significa que tenho que começar a agir mesmo em julho, pior: que deveria ter começado a concentração no mês passado. Já estou um mês retardada, e achando que todo e qualquer humano do sexo oposto pode ser um candidato a futuro namorado. É muita pressão, e ansiedade é algo que se vê: na cara, no suor, nos lábios cheios de buracos e feridas, porque substituí o cigarro por arrancar aos poucos minha própria boca.

Não sei o que fazer. Já pensei em ligar pra Clayton Fabio, o astrólogo, pra saber mais detalhes. Umas amigas que se consultam há tempos com ele disseram já ter pedido datas, e elas foram certeiras (as datas). Burrice minha não ter feito o mesmo. Quando Clayton Fabio, o astrólogo, disse setembro/outubro eu devia ter pedido pra ele ser mais preciso. Eu devia ter explicado, também, esse meu problema de timing e de distração, o que só reforça o fato de precisar de datas, porque aí sim eu me programaria, com meses de antecedência, pro dia que seria o dia de conhecer o possível amor. Até treinaria umas frases. Compraria um vestido novo, pararia de arrancar as peles dos lábios naquela semana pra não parecer uma pessoa que inflige sofrimento a si mesma. Ou até, quem sabe, de repente, não tomava coragem e convidava o rapaz pra tomar um drink ou um sorvete.

Pra completar, a voz da analista ressoa na minha mente, e todos esses pretendentes platônicos já são logo rotulados como erros, e fico assim, entre o adeus e a contrapartida. A matemática final é trágica: depois de 3 ou 4 meses curtindo uma taquicardia amena, concluo que não sou confiável, desisto de tudo, maldigo Clayton Fabio, o astrólogo, refaço as contas, conheço outro mocinho promissor, escuto de novo a gravação, lembro que na Flip só fui abordada por Hare-Krishnas que queriam me vender seus livros, penso que as últimas cantadas que recebi foram algo entre a catástrofe e o surrealismo, decido que tenho mesmo muita razão em querer escolher. Autossuficiência. Clayton Fabio, o astrólogo, é enfático no registro. Vou por essa tendência. Boa noite.

segunda-feira, 2 de julho de 2012

Heterossexuais não praticantes # 01



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Fernando nunca tinha abridor de vinho em casa, o que nos obrigava, em algum momento, a: vestir rostos de simpáticos (somos muito, ele bem mais que eu), calçar sapatos (nem que fossem pantufas), bater na porta ao lado: será que você pode emprestar... e a frase nem se completava porque o vizinho já sabia, e todos já sabiam, porque todo domingo era assim, feito de Ipanema, sofá, Cao Guimarães e da nossa incapacidade de comprar um abridor de vinhos no supermercado da esquina, e acabávamos dormindo depois da terceira taça ou do segundo curta, o que viesse primeiro, não que fossem ruins (eram excelentes), era só que a gente gostava muito de ficar sozinho.

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Não tem mais espelho no teto do Panda, me contaram, e essa não é a única mudança promovida pela reforma. Livre dos excessos, o Panda é quase de bom gosto, não fosse pelo detalhe da acústica, que não foi levada em consideração na obra. Não bastassem as neuroses, a suspeita de estar fazendo tudo errado, o quarto é invadido por gemidos e urros de gente que não se furta a mostrar ao mundo (e a duplas duvidosas) de que é feita a sua carne (carnaval). Desistem no meio, dessa vez convencidos de que estão fazendo tudo errado. Depois de algum tempo analisando os gemidos, gritos, afirmações, apelidos e até mesmo os sussurros, que também eram audíveis, concluem que sonoridade não necessariamente é registro do que vai verdadeiramente dentro e que sexo, como quase tudo, sofre de excessiva espetacularização, e que aquele casal só devia ir ao Panda, por motivos óbvios. Concordo. Tem muito teatro por aí e a gente, talvez, seja um tanto recalcado. 

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Me abraça na porta do bar, me chama de gostosa no ouvido, pergunta quando vamos nos encontrar de novo. Mas já estamos encontrados, por que não agora? Mas não é tão fácil assim, todo mundo é um Bartleby, o mundo é um moinho e em vez de amar eu vomito vodca no banheiro, ele enche a cara muito mais.Na minha casa, com uma ponte aérea entre nós, ligo pro Fernando, e juntos esvaziamos uma safra 2009 por skype. Acordo e é domingo, é março e é muito pior que agosto e tem uma mensagem de Belo Horizonte que diz “da janela do meu quarto chove pacas”, da minha chove muito mais.