sexta-feira, 17 de maio de 2019

Formulário



Durante a cerimônia sou a única a chorar, mesmo que tudo seja feito para não dar margem nenhuma a sentimentalidades. Decoração tenebrosa, a juíza e suas inexpressões por excesso de ácido hialurônico e laquê. Ainda assim, choro. Não é que me acabe em lágrimas, é bem mais contido que isso. 

À saída, O. me conta que, ao preencher a burocracia de seu casamento, alguns dias antes, o funcionário do cartório pediu o estado civil das testemunhas e que, no meu caso, fez questão de acrescentar um “convicta” ao status de solteira. Por sorte não havia espaço para que tal afirmativa fosse lavrada em documento. Do contrário, seria oficial demais, e por incrível que pareça, ainda não estou totalmente convencida.





quinta-feira, 16 de maio de 2019

Material pra ficção


Gosto de P. por tantas razões, e uma delas é que passamos horas ao telefone, como se fazia, antigamente. Ela me conta que está às voltas com a escrita de textos eróticos, a ponto de chamar um marceneiro para fazer novas estantes que abriguem livros do gênero. Organizar bibliografias é o oposto de naufragar. Digo a ela que outra ideia afundou, e já sei o que ela vai sugerir. “Você tem um senso de humor ótimo, ainda vai rir disso, vai saber usar isso tudo”, foi mais ou menos o que ele me falou, antes de fechar a porta e desistir de mim. “Chegamos a esse ponto, Pali”, eu falo, desanimada, “talvez eu devesse lançar o gênero literatura não-erótica”. A ligação cai sem que eu escute a gargalhada dela, e quando voltamos à conexão ela já me sugere até o título.