Eu estava
parada outro dia na rua Humaitá, onde todo mundo sempre fica parado pela óbvia
razão de que os carros não andam por ali. No meu carro tocava Legião Urbana,
mesmo que eu já tivesse 30 anos e já pudesse ser considerada velha demais pra
isso, ou nova demais pra saudosismos: na vida a gente nunca tem a idade certa
pra quase nada.
Aquele
trajeto me deu a chance de ouvir “Faroeste caboclo” inteira diversas vezes: na
primeira audição, detectei algumas falhas no roteiro. Na segunda, ainda mais. E
assim foi que concluí que muitas coisas a respeito de Maria Lúcia e João do
Santo Cristo ficaram mal resolvidas porque foram mal explicadas. João conhece
Maria Lúcia quando vive uma fase de bandidagem. O amor instantâneo pela “menina
linda” o redime de todos os pecados e ele volta a ser carpinteiro, além de
prometer amor e filhos. O tempo passa e aparecem: um senhor de alta classe com
dinheiro na mão, uma Winchester-22 e o traficante Jeremias. Nesse meio tempo,
também, Santo Cristo volta pra casa com saudades de Maria Lúcia, e a encontra
casada e mãe de um filho de, ora, Jeremias. Percebam: ainda que estejam nos
anos 80 em Brasília, que lugar é esse onde Maria Lúcia mora que não consegue
comunicação com Santo Cristo? Por mais que não houvesse internet e celular, as
notícias de casamentos em cidades pequenas correm, não? E Jeremias, largou a
mulher e filho nessa tal cidade e foi pra Brasília? Ou apenas engravidou Maria
Lúcia sem lhe prometer nada, já que, como afirma a letra, “desvirginava
mocinhas inocentes”? Quanto tempo Santo Cristo ficou longe do que diz ser sua
casa? Onde ele mora? E se Maria Lúcia estava casada com outro, como é que Santo
Cristo sabia o endereço dela? Se até aqui as coisas estão confusas, espere pelo
final.
João está no
duelo, do qual sairá para a cova, quando Maria Lúcia aparece trazendo a
Winchester-22. E como é que Maria Lúcia, que morava sabe-se lá onde, sabe-se lá
com quem, sabia: onde era a casa de João; onde João guardava a arma; e cadê o
Pablo nessa hora? Os últimos versos da letra revelam que o João de Santo Cristo
morreu sem realizar o sonho que queria quando chegou a Brasília: fazer um
pedido ao presidente pra que ele pusesse fim ao sofrimento de toda essa gente
sofrida. Mas se me lembro bem, e ouvi a música em looping, e era quinta-feira,
quando o trânsito sempre dá um nó, na infância o Santo Cristo só pensava em ser
bandido e queria mesmo ver o mar. Só para refrescar a memória: ele só vai parar
no Planalto Central depois de um cafezinho que toma com um sujeito qualquer em
Salvador, esta sim, cidade escolhida por ele, numa tentativa de entender os
funcionamentos da vida.
Todo esse
turbilhão de pensamentos rodava pela minha cabeça, que tentava entender os
funcionamentos da relação de João de Santo Cristo e Maria Lúcia, quando cheguei
em casa e vi minha mãe em frente à TV calçando pantufas do VIPs Motel.