quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Heterossexuais não praticantes #02


Eu estava parada outro dia na rua Humaitá, onde todo mundo sempre fica parado pela óbvia razão de que os carros não andam por ali. No meu carro tocava Legião Urbana, mesmo que eu já tivesse 30 anos e já pudesse ser considerada velha demais pra isso, ou nova demais pra saudosismos: na vida a gente nunca tem a idade certa pra quase nada. 

Aquele trajeto me deu a chance de ouvir “Faroeste caboclo” inteira diversas vezes: na primeira audição, detectei algumas falhas no roteiro. Na segunda, ainda mais. E assim foi que concluí que muitas coisas a respeito de Maria Lúcia e João do Santo Cristo ficaram mal resolvidas porque foram mal explicadas. João conhece Maria Lúcia quando vive uma fase de bandidagem. O amor instantâneo pela “menina linda” o redime de todos os pecados e ele volta a ser carpinteiro, além de prometer amor e filhos. O tempo passa e aparecem: um senhor de alta classe com dinheiro na mão, uma Winchester-22 e o traficante Jeremias. Nesse meio tempo, também, Santo Cristo volta pra casa com saudades de Maria Lúcia, e a encontra casada e mãe de um filho de, ora, Jeremias. Percebam: ainda que estejam nos anos 80 em Brasília, que lugar é esse onde Maria Lúcia mora que não consegue comunicação com Santo Cristo? Por mais que não houvesse internet e celular, as notícias de casamentos em cidades pequenas correm, não? E Jeremias, largou a mulher e filho nessa tal cidade e foi pra Brasília? Ou apenas engravidou Maria Lúcia sem lhe prometer nada, já que, como afirma a letra, “desvirginava mocinhas inocentes”? Quanto tempo Santo Cristo ficou longe do que diz ser sua casa? Onde ele mora? E se Maria Lúcia estava casada com outro, como é que Santo Cristo sabia o endereço dela? Se até aqui as coisas estão confusas, espere pelo final.
João está no duelo, do qual sairá para a cova, quando Maria Lúcia aparece trazendo a Winchester-22. E como é que Maria Lúcia, que morava sabe-se lá onde, sabe-se lá com quem, sabia: onde era a casa de João; onde João guardava a arma; e cadê o Pablo nessa hora? Os últimos versos da letra revelam que o João de Santo Cristo morreu sem realizar o sonho que queria quando chegou a Brasília: fazer um pedido ao presidente pra que ele pusesse fim ao sofrimento de toda essa gente sofrida. Mas se me lembro bem, e ouvi a música em looping, e era quinta-feira, quando o trânsito sempre dá um nó, na infância o Santo Cristo só pensava em ser bandido e queria mesmo ver o mar. Só para refrescar a memória: ele só vai parar no Planalto Central depois de um cafezinho que toma com um sujeito qualquer em Salvador, esta sim, cidade escolhida por ele, numa tentativa de entender os funcionamentos da vida. 

Todo esse turbilhão de pensamentos rodava pela minha cabeça, que tentava entender os funcionamentos da relação de João de Santo Cristo e Maria Lúcia, quando cheguei em casa e vi minha mãe em frente à TV calçando pantufas do VIPs Motel. 







quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Como se eu fosse flor


Na minha vida, algumas coisas vêm em lote e quando percebo tá todo mundo tirando o apêndice, lendo livros da Virginia Woolf, falando de Agamben e cortando leite e glúten da dieta. Uns são mais explicáveis que os outros, eu sei. Ainda assim, fico espantada com certas coisas. Por exemplo.

Sábado me atrasei horrores pro almoço com Marcelo, porque saí de casa de manhã cedo, porque andei o Leblon ida e volta e porque estava mais quente do que eu imaginava, mas principalmente porque o desodorante que eu usava fora descontinuado há uns meses, e aquele era o meu primeiro sábado com 30 anos e com um desodorante em teste. Por causa de todos os porquês expostos acima, eu estava paranoica e convencida de que exalava um cecê que só seria resolvido com banho. Ou com a minha mãe, pra quem telefonei da farmácia, em frente à seção de desodorantes.

A minha mãe é a pessoa mais cheirosa do mundo. Mesmo quando, eventualmente, ela sua, é batata: cheirosa. Por telefone, ela sugeriu que eu testasse o desodorante dela. A minha mãe é também a pessoa mais exagerada do mundo, e deixou no meu banheiro alguns exemplares tamanho jumbo do roll-on que ela usa há anos, porque ela tem mania de armazenar coisas, pro caso de. Se um dia o Ban Powder Fresh roll-on for descontinuado, provalvemente a gente abre uma vendinha aqui em casa.  

Quando saí do banho, Marcelo tinha mandado uma mensagem: “As pessoas já olham pra mim com pena no restaurante.” Garanti que estava a caminho e que a justificativa era boa. Uma vez sentada de frente pro Marcelo, contei pra ele o problema. E percebi o quanto eu estava vulnerável com tudo isso. A mulher de 30 anos não tem mais idade pra essas coisas. A falta do meu desodorante no mercado me causou um transtorno. Mesmo uma solidão, eu diria.

Até que ontem, depois de 5 dias usando o Ban Powder Fresh que minha mãe me deu, recebi um email de C., que fazia uma enquete: “Meninas, que desodorante vocês usam?” Ela dizia já ter trocado de marca 3 vezes naquela semana, e não confiava em mais nada além de talco e minâncora, mas acrescentava: “Nem sempre eu quero ficar com o sovaco branco. Quando vou sair à noite com o gatinho: não rola talco, pois não há tesão possível com a axila esbranquiçada.”

Em pouco tempo minha caixa de e-mails foi invadida por mulheres alteradas que tinham opiniões, dicas e ideias precisas sobre desodorantes. Jeanne, sempre ela, criou até um sistema de categorização, que julguei muito eficiente:

Verão intenso + compras na Sr. dos Passos : Ban Powder Fresh

Verão moderado/ Primavera + passeio no Aterro: Nivea Roll On Clear Skin 48hs

Outono/Inverno + café com Piauí: L'Occitane Desodorante Folhas de Oliva

Se nada funcionar, apesar de ser contra, tem muita gente colocando botox debaixo do braço.
 
M.P.: Depois de muitos testes, fiquei com o Dove-Pepino spray-geladinho. Suporto o cheiro mas fico intoxicada a cada aplicação. Uso com a consciência de um fumante.

Vou adotar o Outono/Inverno da Jeanne para dias menos críticos. Quem sabe não ganho mais uns dias de vida.

M. F.: Quanto a mim, não suporto roll-on. Tenho o habito de oscilar marcas, um mês Dove, outro Nivea, etc. Meu sovaco é barato. Mas continuo intrigada com Minâncora no sovaco.

C., que também detesta roll-on: sinto como se estivesse levando uma lambida no sovaco.

Sugeri leite de magnésia Philips e me desconectei do computador, porque o dia de trabalho acabara, porque fui nadar, porque fui à livraria e porque não tenho smartphone. Quando cheguei em casa, não sei muito bem como, o fórum de discussão tinha sido levemente desvirtuado e Jeanne enviava uma lista extensa com uma relação dos mais diversos produtos de beleza, ao mesmo tempo que dizia que Leite de Rosas era uma tradição em Miguel Pereira, onde ela passou a infância, e que era sentir esse cheiro pra lembrar de férias de julho e primeira menstruação. Logo depois ela dizia que usa um rímel à prova de fortes emoções, porque afinal equivocadas sempre seremos, borradas, jamais.

No meio do caminho, minha mãe me perguntou se eu estava gostando do novo desodorante, eu disse que sim, mas que de qualquer forma testaria outras marcas, porque vai que. Eu achava que torcicolo era a coisa mais ingrata da vida, tanto que, secretamente, comecei a desejar que cada desafeto meu sofresse um torcicolo no mínimo 3 vezes por mês. Não sei se desejar cecê é uma boa ideia, porque você pode sem querer encontrar a pessoa e ainda sobra pra você. Uma amiga que mora em Paris uma vez começou a desconfiar de que cecê era algo que se pegasse. Ela se cheirava loucamente no verão, pra ter certeza. A paranoia era tanta que, eventualmente, pedia pro namorado cheirá-la também. Eu também achei absurdo, mas deu tudo certo: ela não tinha cecê e eles se casaram.

Talvez o torcicolo seja mais seguro mesmo de se desejar nos momentos de fúria, afinal, em termos de sovaco, ao que tudo indica, não estamos tão sozinhos assim.