Quando eu chego em casa nada me consola, eu disse a eles,
o que era uma meia verdade, porque nesses casos eu junto algumas roupas na
máquina de lavar e escolho a função “secagem”, mesmo que elas já estejam secas,
e as peças saem de lá tão quentinhas que durmo de conchinha com camisetas,
leggings e meias, e eles não sabem se riem ou se comentam com a minha analista,
que por sua vez ri de canto de boca quando eu digo que estou às voltas com dois livros
fantásticos – em duplo sentido – As cidades invisíveis, do Calvino, e O livro
dos seres imaginários, do Borges, e ensaio um discurso para convencê-la de que
é apenas literatura, e não sintoma de alguma coisa, como se tudo já não
estivesse embaralhado o suficiente na minha cabeça, e portanto na minha vida.
Uma das bocas do fogão não acende e eu penso que ainda tem
outras 3 e que portanto posso resolver isso só quando a
garantia estiver perto do fim, adiar a espera pelo técnico, adiar a solução, é muita
pretensão querer consertar tudo, trocar as lâmpadas queimadas, desmontar e
remontar a estante para acomodar uma televisão que é complicada demais de
escolher e ter, com o conserto, mais uma chance de estragar meu jantar, que sempre fica
sem sal ou meio queimado: panela antiaderente é uma das coisas mais traiçoeiras que já
enfrentei na vida e não estou inteiramente convencida de que o exaustor realmente funcione, assim como nunca verifiquei se o filtro de água tá em dia mesmo, o que torna toda a lavagem dos legumes e frutas um luxo talvez desnecessário.
O negócio é que os meus amigos são muito artistas e nada
práticos, eu disse a eles, querem conversar sobre filmes experimentais,
política e crises existenciais e tudo o que eu queria era um cabra macho pra
tocar minha campainha, subir na escada, prender os quadros, tirar o cd do
Moreno Veloso que ficou no repeat enchendo a sala de uma melancolia invernal, de
repente reclamar da falta da TV e consequentemente do futebol.
Você quer casar, eles disseram, e até que fez sentido.