Ele estava recostado na parede e de repente falou: assim!
Fique assim. Congelei na posição e ele começou a me desenhar, em um papel que
não era o ideal, mas era o que tinha. Fui amolecendo enquanto ele comentava
sobre como meus cílios são longos, e a certa altura tive que esticar a perna
esquerda, porque meu joelho tem inflamado e começa a incomodar quando fica
certo tempo flexionado, como era o caso, e acrescentei que a fisioterapeuta
acha que o joelho é reflexo do quadril, e que ela achava que o quadril, quando
inflamava, era reflexo da coluna, portanto, pela lógica, a dor descerá para o
pé, até se extinguir por completo, e ele achou graça, e disse que não faltava
muito para terminar -- o desenho, não a dor. Ele me estendeu o caderno e vi aquela mulher de cabelos
cacheados, de olhos fechados, nua, que era eu, como que adormecida, e se o desenho
tivesse som, seria o da voz dele, desconcertantemente suave, que antes tinha perguntado: “Deixa eu te desenhar?”, já sabendo que me desenharia.
Ele assinou e confundimos a data: no papel aquela noite aconteceu 24
horas antes.
Ocorre que mal consegui dormir depois que apaguei a luz,
porque tenho essa questão que se impõe quando divido a cama com alguém, até
mesmo com meu sobrinho de 7 anos, ou com o vira-lata da minha mãe. Não tem uma
explicação concreta, a cama é grande o suficiente para acomodar duas pessoas de
1.70m, ou um pouco mais. No dia seguinte estou quebrada, o colar que eu usava
também, acidentalmente arrebentado, o corpo inteiro falha. Escrevo uma mensagem para
M., que agora já divide sua cama, mas que antes também torcia secretamente pra
pessoa ir embora no meio da noite, ou mesmo antes, assim que tudo já parecesse
anunciadamente quebrado ou rompido. Os dias seguintes para ele eram cáusticos,
como ainda são pra mim. Durmo pior com alguém ao meu lado que na classe
econômica de avião.