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terça-feira, 9 de outubro de 2012
quarta-feira, 26 de setembro de 2012
Heterossexuais não praticantes #02
Eu estava
parada outro dia na rua Humaitá, onde todo mundo sempre fica parado pela óbvia
razão de que os carros não andam por ali. No meu carro tocava Legião Urbana,
mesmo que eu já tivesse 30 anos e já pudesse ser considerada velha demais pra
isso, ou nova demais pra saudosismos: na vida a gente nunca tem a idade certa
pra quase nada.
Aquele
trajeto me deu a chance de ouvir “Faroeste caboclo” inteira diversas vezes: na
primeira audição, detectei algumas falhas no roteiro. Na segunda, ainda mais. E
assim foi que concluí que muitas coisas a respeito de Maria Lúcia e João do
Santo Cristo ficaram mal resolvidas porque foram mal explicadas. João conhece
Maria Lúcia quando vive uma fase de bandidagem. O amor instantâneo pela “menina
linda” o redime de todos os pecados e ele volta a ser carpinteiro, além de
prometer amor e filhos. O tempo passa e aparecem: um senhor de alta classe com
dinheiro na mão, uma Winchester-22 e o traficante Jeremias. Nesse meio tempo,
também, Santo Cristo volta pra casa com saudades de Maria Lúcia, e a encontra
casada e mãe de um filho de, ora, Jeremias. Percebam: ainda que estejam nos
anos 80 em Brasília, que lugar é esse onde Maria Lúcia mora que não consegue
comunicação com Santo Cristo? Por mais que não houvesse internet e celular, as
notícias de casamentos em cidades pequenas correm, não? E Jeremias, largou a
mulher e filho nessa tal cidade e foi pra Brasília? Ou apenas engravidou Maria
Lúcia sem lhe prometer nada, já que, como afirma a letra, “desvirginava
mocinhas inocentes”? Quanto tempo Santo Cristo ficou longe do que diz ser sua
casa? Onde ele mora? E se Maria Lúcia estava casada com outro, como é que Santo
Cristo sabia o endereço dela? Se até aqui as coisas estão confusas, espere pelo
final.
João está no
duelo, do qual sairá para a cova, quando Maria Lúcia aparece trazendo a
Winchester-22. E como é que Maria Lúcia, que morava sabe-se lá onde, sabe-se lá
com quem, sabia: onde era a casa de João; onde João guardava a arma; e cadê o
Pablo nessa hora? Os últimos versos da letra revelam que o João de Santo Cristo
morreu sem realizar o sonho que queria quando chegou a Brasília: fazer um
pedido ao presidente pra que ele pusesse fim ao sofrimento de toda essa gente
sofrida. Mas se me lembro bem, e ouvi a música em looping, e era quinta-feira,
quando o trânsito sempre dá um nó, na infância o Santo Cristo só pensava em ser
bandido e queria mesmo ver o mar. Só para refrescar a memória: ele só vai parar
no Planalto Central depois de um cafezinho que toma com um sujeito qualquer em
Salvador, esta sim, cidade escolhida por ele, numa tentativa de entender os
funcionamentos da vida.
Todo esse
turbilhão de pensamentos rodava pela minha cabeça, que tentava entender os
funcionamentos da relação de João de Santo Cristo e Maria Lúcia, quando cheguei
em casa e vi minha mãe em frente à TV calçando pantufas do VIPs Motel.
quarta-feira, 5 de setembro de 2012
Como se eu fosse flor
Na minha vida, algumas
coisas vêm em lote e quando percebo tá todo mundo tirando o apêndice, lendo
livros da Virginia Woolf, falando de Agamben e cortando leite e glúten da
dieta. Uns são mais explicáveis que os outros, eu sei. Ainda assim, fico
espantada com certas coisas. Por exemplo.
Sábado me atrasei horrores
pro almoço com Marcelo, porque saí de casa de manhã cedo, porque andei o Leblon
ida e volta e porque estava mais quente do que eu imaginava, mas principalmente
porque o desodorante que eu usava fora descontinuado há uns meses, e aquele era
o meu primeiro sábado com 30 anos e com um desodorante em teste. Por causa de
todos os porquês expostos acima, eu estava paranoica e convencida de que
exalava um cecê que só seria resolvido com banho. Ou com a minha mãe, pra quem
telefonei da farmácia, em frente à seção de desodorantes.
A minha mãe é a pessoa
mais cheirosa do mundo. Mesmo quando, eventualmente, ela sua, é batata:
cheirosa. Por telefone, ela sugeriu que eu testasse o desodorante dela. A minha
mãe é também a pessoa mais exagerada do mundo, e deixou no meu banheiro alguns
exemplares tamanho jumbo do roll-on que ela usa há anos, porque ela tem mania
de armazenar coisas, pro caso de. Se um dia o Ban Powder Fresh roll-on for
descontinuado, provalvemente a gente abre uma vendinha aqui em casa.
Quando saí do banho,
Marcelo tinha mandado uma mensagem: “As pessoas já olham pra mim com pena no
restaurante.” Garanti que estava a caminho e que a justificativa era boa. Uma
vez sentada de frente pro Marcelo, contei pra ele o problema. E percebi o
quanto eu estava vulnerável com tudo isso. A mulher de 30 anos não tem mais
idade pra essas coisas. A falta do meu desodorante no mercado me causou um
transtorno. Mesmo uma solidão, eu diria.
Até que ontem, depois de 5
dias usando o Ban Powder Fresh que minha mãe me deu, recebi um email de C., que
fazia uma enquete: “Meninas, que desodorante vocês usam?” Ela dizia já ter
trocado de marca 3 vezes naquela semana, e não confiava em mais nada além de
talco e minâncora, mas acrescentava: “Nem
sempre eu quero ficar com o sovaco branco. Quando vou sair à noite com o
gatinho: não rola talco, pois não há tesão possível com a axila esbranquiçada.”
Em pouco tempo minha
caixa de e-mails foi invadida por mulheres alteradas que tinham opiniões, dicas
e ideias precisas sobre desodorantes. Jeanne, sempre ela, criou até um sistema de categorização,
que julguei muito eficiente:
Verão intenso +
compras na Sr. dos Passos : Ban Powder Fresh
Verão moderado/
Primavera + passeio no Aterro: Nivea Roll On Clear Skin 48hs
Outono/Inverno + café
com Piauí: L'Occitane Desodorante Folhas de Oliva
Se nada funcionar,
apesar de ser contra, tem muita gente colocando botox debaixo do braço.
M.P.: Depois de muitos testes, fiquei com o
Dove-Pepino spray-geladinho. Suporto o cheiro mas fico intoxicada a cada
aplicação. Uso com a consciência de um fumante.
Vou adotar o
Outono/Inverno da Jeanne para dias menos críticos. Quem sabe não ganho mais uns
dias de vida.
M. F.: Quanto a mim, não suporto roll-on.
Tenho o habito de oscilar marcas, um mês Dove, outro Nivea, etc. Meu sovaco é
barato. Mas continuo intrigada com Minâncora no sovaco.
C., que também
detesta roll-on: sinto como se estivesse levando uma lambida no sovaco.
Sugeri leite de
magnésia Philips e me desconectei do computador, porque o dia de trabalho
acabara, porque fui nadar, porque fui à livraria e porque não tenho smartphone.
Quando cheguei em casa, não sei muito bem como, o fórum de discussão tinha sido
levemente desvirtuado e Jeanne enviava uma lista extensa com uma relação dos mais
diversos produtos de beleza, ao mesmo tempo que dizia que Leite de Rosas era
uma tradição em Miguel Pereira, onde ela passou a infância, e que era sentir
esse cheiro pra lembrar de férias de julho e primeira menstruação. Logo depois
ela dizia que usa um rímel à prova de fortes emoções, porque afinal equivocadas
sempre seremos, borradas, jamais.
No meio do caminho,
minha mãe me perguntou se eu estava gostando do novo desodorante, eu disse que
sim, mas que de qualquer forma testaria outras marcas, porque vai que. Eu
achava que torcicolo era a coisa mais ingrata da vida, tanto que, secretamente,
comecei a desejar que cada desafeto meu sofresse um torcicolo no mínimo 3 vezes
por mês. Não sei se desejar cecê é uma boa ideia, porque você pode sem querer
encontrar a pessoa e ainda sobra pra você. Uma amiga que mora em Paris uma vez
começou a desconfiar de que cecê era algo que se pegasse. Ela se cheirava loucamente
no verão, pra ter certeza. A paranoia era tanta que, eventualmente, pedia pro
namorado cheirá-la também. Eu também achei absurdo, mas deu tudo certo: ela não
tinha cecê e eles se casaram.
Talvez o torcicolo
seja mais seguro mesmo de se desejar nos momentos de fúria, afinal, em termos
de sovaco, ao que tudo indica, não estamos tão sozinhos assim.
quinta-feira, 30 de agosto de 2012
Como saber se ele está a fim de você
quarta-feira, 29 de agosto de 2012
O meu coração
Tenho uma lista de medos,
eu disse a ela. E para provar que não era curta, comecei a enumerar. O primeiro
deles era o de pisar num cocô de cachorro enquanto estivesse a caminho do
restaurante (levar um par extra de sapatilhas na bolsa). Se eu não gostasse de
nada no cardápio, se fosse uma comida exótica, se servissem Pepsi em vez de
Coca-cola. (Escolher um prato que não envolva verdes que possam ficar presos
nos dentes.) Sorrir, ela disse, e ser engraçada, e isso eu sou, acho, e isso
ele sabe, desconfio, é só confirmar. Se me faltar assunto, fazer perguntas. Se
ele for quieto também. Tenho pavor dos silêncios, e a toda hora preciso desviar
o olhar. E as mãos, o que fazer, e se se esbarram contra as dele antes do
tempo? E que tempo é o certo? Pode ser que justo nesse dia eu acorde com
torcicolo. E se eu espirrar tanto que precise sair correndo pra assoar o nariz.
Fico tão vermelha de timidez, às vezes de álcool, às vezes fico até manchada,
sinto a orelha ferver. E se me der vontade de bocejar, não por chatice, mas por
sono em excesso, ou não dá pra ter sono nesses eventos? E se você passar muito
bem por tudo isso, ela disse. Queria um tutorial. Deve ter na internet, mas
diria que você não precisa. Vá de coração aberto.
Mas e se eu tiver
taquicardia, descompasso ou batucada e ele sentir quando me abraçar?
domingo, 26 de agosto de 2012
Trago a pessoa amada em 3 dias
F., 2002:
Meu relacionamento com F.
durou o tempo que duraram os intervalos que ele teve entre um namoro e outro.
Eu já devia ter desconfiado dos meus dons da primeira vez que, percebendo o
distanciamento dele, o ouvi dizer que não estava pronto pra engatar um romance
sério, porque terminara um namoro complicado, e vivia um momento em que estava
concentrado nos estudos, porque queria estudar medicina, porque o vestibular
não estava fácil pra ninguém, porque bla bla bla enquanto eu me esforçava pra
não tremer a voz. Duas semanas depois, soube que ele estava namorando. Anos
depois, quando ele já estava se formando em economia e eu tinha largado o meu
segundo emprego em moda, nos reencontramos numa festinha. Passamos aquela e outras
4 noites juntos, nos amando loucamente. Então um dia o telefone dele tocou sem
resposta, e na semana seguinte eu soube que ele tinha encontrado seu grande
amor, e em três ou quatro meses eles dividiam um apartamento no Humaitá que,
ouvi dizer, era um pouco cafona.
R., 2006:
Ele veio brindar 2006
comigo, embora naquele réveillon eu estivesse a base de guaraná. Não fomos mais
vistos na festa, não houve fotografias que registrassem nossos sorrisos porque
nos afundamos um no outro naquela virada de ano. Ele reparou em tudo quanto se
podia reparar em mim: da flor no cabelo ao anel no dedo do pé. Eu era hippie e
não sabia. Por três semanas arrancamos suspiros por onde passamos. Ele segurava
meu rosto como quem segura um troféu, e não havia dúvidas de que estávamos
terrivelmente apaixonados um pelo outro. Era visível, as pessoas exclamavam. Um
dia ele foi comprar cigarros e nunca mais voltou: eu fiquei na praia esperando
ele chegar, telefonei, mergulhei, fiquei bronzeada, gorda, dormi demais. Meses
se passaram até que um amigo esbarrasse com ele na rua, com uma menina a
tiracolo. Tempos depois, soube que eles foram juntos pra França: ele pra cursar
um mestrado em filosofia, ela com aliança no dedo esquerdo.
P., 2009:
Ele nunca disse que
prestava, e eu nunca disse que queria alguma coisa séria, e todo mundo sabia
que a trilha sonora do nosso encontro era uma que vivia no repeat do meu
primeiro carro, e que dizia: “Don’t you know that you’re nothing more than a
one stand?” e eu já tinha idade suficiente pra entender que essa coisa casual e
passageira quase sempre me trazia problemas. Duramos duas noites, intercaladas
por meses de distância e telefonemas intermináveis que esquentavam minha
orelha, e que portanto potencializavam minhas chances de um câncer, isso porque
ele estava coordenando uma obra no interior de sabe-se lá, e me contava dos
dias, das pedaladas, e nunca falava em saudade, mas era o que parecia. Um dia,
andando por Ipanema e ainda achando que estávamos virtual e telefonicamente
juntos, dei de cara com ele numa pizzaria, sentado ao lado de uma mulher linda
e loira. Nos cumprimentamos rapidamente e eu fui chorar no banheiro, e só saí
dali quando o restaurante fechou e a faxineira me encontrou encolhida no canto.
A loira e ele estão casados, e adotaram gatos. Três. Eu jamais poderia viver
essa vida de espirros, me consolei.
Depois de tantos outros encontros que resultaram em casamentos, amores e filhos para eles, e caixas de kleenex e sessões de análise para mim, finalmente concluí, a reboque de Flaubert:
Mãe Valéria de Oxossi, c’est moi.
sexta-feira, 3 de agosto de 2012
Bilhetinho
De: Celia
Para: Julieta@email.com.br
Subject:
Odete
Tive que
demitir a Odete. A mulher que sofre fica deveras instável.
Chegou
hoje no trabalho totalmente embriagada. "De cerveja!" - disse
ela.
Dei-lhe
um abraço e a justa causa.
sexta-feira, 27 de julho de 2012
Trilha sonora
Depois de amargar uma ressaca e uma ventania desgovernada na praia, Jeanne Duval me (nos) brinda com essa:
Uma seleção de músicas para serem ouvidas no táxi depois das 2:30 da manhã. A trilha sonora para aqueles momentos que:
- Você está bêbado demais para lembrar ao taxista de virar a direita no final da rua.
- Não pegou ninguém.
- Pegou quem não deveria.
- Pegou, mas mora com os pais.
- Ta obcecado pelo taxímetro porque ta com o dinheiro contado.
- Acha poético a luz dos postes nos pingos de chuva na janela
- Entrou numa bad e ta chorando baixinho em posição fetal no banco de trás.
- Ta dando aquela curtida casual no Facebook ou no Instagram
- Mandou um sms da derrota
- Sonha com um posto de conveniência no caminho, um Oliveira ou um Fornalha.
Clique aqui para ouvir.
quarta-feira, 25 de julho de 2012
Voluntários da pátria
Ela abre a porta do
conjugado deixando escapar Ernesto, o gato. Me abraça, resgata o gato no
corredor, deposita-o em cima da cama, senta-se ao lado dele e dispara, com a
voz embargada:
- Estou oca...
- Estou de férias! – emendo, porque naquele momento
essa parecia uma boa combinação, porque significava que eu conseguiria ficar
acordada até meia-noite e meia, porque até esse horário poderíamos cobrir todos
os aspectos que a poderiam estar deixando vazia.
Ela se levanta, pega minha
bolsa, pendura minha bolsa, pega a sacola do supermercado, me entrega a sacola
do supermercado, alcança o maço de cigarros, se dirige até a janela, acende um
Marlboro Light. Telefono para a minha avó, que mais uma vez me passa a receita
dos biscoitos. Abro os armários à procura de potes e tabuleiros, ela toma a
dianteira, e enquanto termina de fumar eu misturo farinha, açúcar e fécula de
batata. Quando jogo os tabletes de margarina ela se voluntaria, e enquanto a
massa vai se formando ela narra os últimos percalços, as brigas, os porres, o
esvaziamento.
Quando a campainha soa a
massa já está pronta, o primeiro tabuleiro já está no forno e Manolo adentra o
ambiente. Estamos ambas sentadas nos bancos altos, um deles meio detonado por
causa de Ernesto, o gato. Manolo pega o
garfo e começa a achatar as bolinhas de massa (alegoria e adereços para
biscoitos amanteigados), ela ameaça jogar canela em cima, eu impeço as
barbaridades e ele desabafa:
- Eu não sei o que estou fazendo de errado. Eu
cutuco as pessoas certas no facebook, acesso o Grindr, fico bêbado de sexta a
segunda, ando sozinho na rua à noite e nada, zero, nem um estupro...
Elas gargalham. Terminada
a função biscoito, ela prepara um chá. Manolo se atraca com a web e começa a
flertar, via chat do facebook, com D., que escreve repetidas vezes palavras
como “irado” e “maneiro” e sem nem mesmo saber de onde D. tecla, já sentimos o
aroma da parafina, do sol, do sal, do mar.
- Eu sou muito boa com flerte alheio. – ela
assegura.
- Como é isso?
- É isso. Outro dia uma
amiga trocava mensagens com um fulano, e tudo estava quase perdido porque ela
não tinha muito traquejo afetivo, saca? Então peguei o celular da mão dela e
virei o jogo. Em mais 3 mensagens estava marcado o encontro.
- Você se fez passar pela
menina?
- Sim.
- Mas isso não é antiético?!
- Não.
- Mas você está enganando
uma pessoa!
- Você é ator, que
questionamentos são esses agora? A sua profissão é enganar gente!
- Você se passaria por mim
agora?! – pergunta o Manolo, olhos brilhando enquanto alisa as costas de
Ernesto, o gato.
- Dãr!
Ela se apodera da cadeira
e eu começo a fabular um serviço de flerte personalizado. Imagine: eu estou em
casa, chat aberto, abordo um beltrano, a conversa não engata. Nesse momento,
num chat paralelo, vou colando o que beltrano diz, dou um background básico pra ela formular a conversa e ela
me dá as falas, fabrica tudo o que vou dizer em seguida etc. Já pensei em
como seria ao vivo também: um sistema de escuta, um ponto no ouvido. Seria a
salvação da lavoura. Flerte sob encomenda. Fim dos suores, dos rubores, das
unhas roídas, das frustrações, dos dias seguintes sem histórias pra contar, das
bebedeiras por prêmio de consolação. Deliro, devoro biscoitos, quase não
percebo quando o Manolo se despede, sai pela porta afoito pra encontrar F., um
dos mocinhos com quem ele, ou ela, já não sei mais, teclava. Ainda faltava uma
hora pro encontro, mas Manolo queria passar em casa, tomar um banho, dobrar o
perfume.
Quando saí da casa dela,
depois de encher a cara de chá, depois dela ter fumado quase o maço todo,
depois de termos recebido uma mensagem do Manolo dizendo que o cara não era lá
essas coisas, reticências, dei a senha do meu email pra ela e combinei que
qualquer mensagem que eu recebesse de D., G., J. ou M. deveria ser respondida
única e exclusivamente por ela. Eu não tomaria conhecimento do assunto até que
ela me dissesse hora, dia e lugar, porque com ela na dianteira, essas
coordenadas eram o único desfecho possível. Isto é: se eles algum dia se
dignassem a me escrever.
Manolo está batendo ponto:
uma vez por semana, pelo menos, ele me telefona:
- Vamos fazer biscoitos?
- Outra vez?
- Ou salada, risoto, petit
gâteau, miojo, qual-quer coi-sa!
Não demora muito e eu
começo uma dieta.
quinta-feira, 12 de julho de 2012
De: Julieta
Subject: s.o.s
Gente,
Estou quase dormindo
em cima do teclado. Alguém me conta uma história?
Beijos,
J.
>>
>>
>>
Subject: Re: s.o.s
Hoje pela manhã fui
perguntar pra diarista, a Odete, porque ela faltou ontem. Odete tem 50 anos
com aparência de 60. Ela me disse que estava entrando na menopausa e começou a
fazer reposição hormonal, ontem deu algum problema que ela teve uma hemorragia
e ficou internada. Eu disse pra ela ir pra casa descansar,
pra procurar um ginecologista e tomar cuidado com reposição hormonal, que era
um assunto muito controverso. Já ia me despedindo quando ela entrou em prantos
dizendo "o pior é que tudo acontece ao mesmo tempo. O Jorge me
deixou." Jorge é um homem mais jovem que ela, desempregado e diabético,
que ela sustentava há 15 anos. O pior, na verdade, é que eu já sabia que isso ia
acontecer. A Mari fica com o V., cuja faxineira é irmã do Jorge, e ela já tinha
fofocado para o V., que contou pra Mari, que passou pra mim, que "agora que
o Jorge arrumou um emprego, vai largar a Odete". Me sentindo culpada
decidi pelo menos ouvir os lamentos da coitada que chorava feito adolescente
quando perde o 1º amor. Sem saber muito como lidar, comecei dizendo que homem
nenhum merecia que ela ficasse tão pra baixo, que ela era independente, tem Sky
em casa e que ia sair dessa. Apelando pra religião, a confortei mencionando que
esse mundo dá muitas voltas, que a gente só entende as coisas que acontecem na
nossa vida anos depois e que temos que ter fé no que Deus quer para nós.
Quem sabe Jorge não volta? Quem sabe se
a saída dele de casa não traria um homem muito melhor? Vendo Odete ainda meio
descontrolada, insisto que talvez Jorge nem seja assim tão bom e a tristeza que
ela sentia não era da falta dele exatamente e sim da falta de se ter alguém. E
foi aí que eu descobri o pior de verdade! Odete me diz que ela sente falta
mesmo é do sexo. Que Jorge já não dava muito no couro por conta do descontrole
da diabetes e que com sorte eles transavam uma vez por mês. Ela vivia tentando,
mas Jorge reclamava que ela era muito fogosa e que depois de uma certa idade
ela tinha era que parar com essas coisas. Mas pelo menos, ainda que uma vez por
mês, ele esquentava a cama dela antes de dormir e ela sabia que teria a
companhia dele todas as noites. Um pouco chocada, só consegui dizer que eu
a entendia. Somos todas iguais.
Como os nossos pais
Eventualmente a gente descobre o que está fazendo de errado e vai à luta. De 1938 pra cá, pouca coisa mudou, e tá aqui a lista pra provar que os nossos dilemas, salvo pequenos detalhes do figurino, ainda são os mesmos.
segunda-feira, 9 de julho de 2012
Astrologia para malogrados
Desde que Clayton Fabio, o
astrólogo, falou que o segundo semestre de 2012 abria possibilidades concretas
de um relacionamento sólido que ando entre a distração e o desespero. Ele disse
setembro/outubro, mas que a pessoa não ia cair do céu e eu devia ficar atenta,
dando chance às conspirações estelares. Que dependia de mim ter um par, que num
descuido eu podia deixar passar um encontro. Que a primeira coisa que ele via
no meu mapa e que gritava dentro de mim era uma necessidade de
autossuficiência, e que isso podia não ser bom para o amor. Que eu não me
deixava ser escolhida e só queria escolher. Minha analista faria um adendo: que
eu só escolho errado.
Mas aos céus e aos fatos.
Se por um lado relaxei,
afinal ainda é julho, por outro fiz a matemática. Uma pessoa com a minha
lentidão e falta de foco demora de 4 a 5 dias pra perceber que um fulano pode
ser interessante. Depois mais uns 2 para, olhando fotos da pessoa no facebook,
sacar que sim, ele é charmoso, tem covinhas e uma barba muito atraente que
provoca até mesmo certo descompasso coronariano. É assim: paixão retroativa.
Quando entendo que a
pessoa tem potencial pra ser amada por mim, e que, de repente, que sabe, teria
potencial pra me amar de volta, já se passaram uns 15 dias. Percebam, a
contabilidade não está a meu favor. Em 15 dias, pessoas normais se conhecem, se
beijam, se lambem. Pessoas como eu param na fase do se conhecer. Eventualmente,
a fase do beijar chega com 3 ou 4 meses de atraso. Eventualmente, também, você
passa 4 dias na mesma cidade que esse cara, cruza com ele todas as manhãs,
tardes e noites e despensa toda e qualquer oportunidade de interação e
interlocução. Não é por timidez ou autossuficiência, é por incompetência.
Posto isso, o desespero:
se a previsão é de 3 a 4 meses para concretização de flertes (e não temos
nenhuma garantia disto, aliás, no meu caso, a coisa tem acontecido
bienalmente), significa que tenho que começar a agir mesmo em julho, pior: que
deveria ter começado a concentração no mês passado. Já estou um mês retardada,
e achando que todo e qualquer humano do sexo oposto pode ser um candidato a
futuro namorado. É muita pressão, e ansiedade é algo que se vê: na cara, no
suor, nos lábios cheios de buracos e feridas, porque substituí o cigarro por
arrancar aos poucos minha própria boca.
Não sei o que fazer. Já
pensei em ligar pra Clayton Fabio, o astrólogo, pra saber mais detalhes. Umas
amigas que se consultam há tempos com ele disseram já ter pedido datas, e elas
foram certeiras (as datas). Burrice minha não ter feito o mesmo. Quando Clayton
Fabio, o astrólogo, disse setembro/outubro eu devia ter pedido pra ele ser mais
preciso. Eu devia ter explicado, também, esse meu problema de timing e de
distração, o que só reforça o fato de precisar de datas, porque aí sim eu me
programaria, com meses de antecedência, pro dia que seria o dia de conhecer o
possível amor. Até treinaria umas frases. Compraria um vestido novo, pararia de
arrancar as peles dos lábios naquela semana pra não parecer uma pessoa que
inflige sofrimento a si mesma. Ou até, quem sabe, de repente, não tomava
coragem e convidava o rapaz pra tomar um drink ou um sorvete.
Pra completar, a voz da
analista ressoa na minha mente, e todos esses pretendentes platônicos já são
logo rotulados como erros, e fico assim, entre
o adeus e a contrapartida. A matemática final é trágica: depois de 3 ou 4
meses curtindo uma taquicardia amena, concluo que não sou confiável, desisto de
tudo, maldigo Clayton Fabio, o astrólogo, refaço as contas, conheço outro
mocinho promissor, escuto de novo a gravação, lembro que na Flip só fui
abordada por Hare-Krishnas que queriam me vender seus livros, penso que as
últimas cantadas que recebi foram algo entre a catástrofe e o surrealismo,
decido que tenho mesmo muita razão em querer escolher. Autossuficiência.
Clayton Fabio, o astrólogo, é enfático no registro. Vou por essa tendência. Boa
noite.
segunda-feira, 2 de julho de 2012
Heterossexuais não praticantes # 01
[]
Fernando nunca tinha
abridor de vinho em casa, o que nos obrigava, em algum momento, a: vestir rostos de simpáticos (somos muito, ele bem mais que eu), calçar sapatos (nem
que fossem pantufas), bater na porta ao lado: será que você pode emprestar... e
a frase nem se completava porque o vizinho já sabia, e todos já sabiam, porque
todo domingo era assim, feito de Ipanema, sofá, Cao Guimarães e da nossa
incapacidade de comprar um abridor de vinhos no supermercado da esquina, e
acabávamos dormindo depois da terceira taça ou do segundo curta, o que viesse
primeiro, não que fossem ruins (eram excelentes), era só que a gente gostava muito de ficar
sozinho.
[]
Não tem mais espelho no
teto do Panda, me contaram, e essa não é a única mudança promovida pela reforma. Livre dos
excessos, o Panda é quase de bom gosto, não fosse pelo detalhe da acústica, que
não foi levada em consideração na obra. Não bastassem as neuroses, a suspeita
de estar fazendo tudo errado, o quarto é invadido por gemidos e urros de gente
que não se furta a mostrar ao mundo (e a duplas duvidosas) de que é
feita a sua carne (carnaval). Desistem no meio, dessa vez convencidos de que
estão fazendo tudo errado. Depois de algum tempo analisando os gemidos,
gritos, afirmações, apelidos e até mesmo os sussurros, que também eram audíveis,
concluem que sonoridade não necessariamente é registro do que vai
verdadeiramente dentro e que sexo, como quase tudo, sofre de excessiva espetacularização,
e que aquele casal só devia ir ao Panda, por motivos óbvios. Concordo. Tem muito teatro por
aí e a gente, talvez, seja um tanto recalcado.
[]
Me abraça na porta do bar,
me chama de gostosa no ouvido, pergunta quando vamos nos encontrar de novo. Mas
já estamos encontrados, por que não agora? Mas não é tão fácil assim, todo mundo é um Bartleby, o mundo é um moinho e em vez
de amar eu vomito vodca no banheiro, ele enche a cara muito mais.Na minha casa,
com uma ponte aérea entre nós, ligo pro Fernando, e juntos esvaziamos uma safra
2009 por skype. Acordo e é domingo, é março e é muito pior que agosto e tem uma
mensagem de Belo Horizonte que diz “da janela do meu quarto chove pacas”, da
minha chove muito mais.
sábado, 30 de junho de 2012
Abertura
Foi no final de dezembro,
num desses encontros de celebração de fim de ano. Havia de fato o que se
comemorar. Éramos muitos, mas naquele momento éramos apenas 4, e 3 de nós foram
rotulados como “socialmente equivocados”. A pessoa que cunhou o termo não se excluiu
da definição. E passamos a pensar a vida sob esses parâmetros. É bom pertencer
a uma tribo.
Logo depois, em janeiro ou
fevereiro, o autor da expressão estava namorando L. Eles se conhecerem numa
festa de Réveillon onde havia cerca de 10 pessoas, das quais 8 eram lésbicas.
Mesmo que não tivessem se curtido, acho que era obrigação deles se juntarem, e
eles entenderam a mesma coisa. Talvez até procriem. Perdemos um.
Aos poucos fui percebendo
um certo equívoco no campo dos afetos, e por mais que o raciocínio lógico entre
em cena em dias seguintes, não tem jeito e é como diz o bloco: simpatia É quase
amor. Penso em todos os livros de autoajuda que não se escrevem, em todos os
grupos de apoio que não se criam, em todo o dinheiro de análise que não se economiza,
em todas as histórias que não se contam e portanto conclamo aqui todos os
equivocados, os tímidos, os mongos, os que gaguejam, os que suam e ficam
vermelhos de nervoso, os que têm dor de barriga antes de um encontro, os que saem
mais cedo das festas, os que nem conseguem chegar nas festas, os que bebem pra
esquecer, os que bebem pra paquerar, os que sofrem de mudez súbita, as que são
lindas mas sempre ficam com batom no dente, os que são charmosos mas sem querer
falam cuspindo, os que fazem meios convites, os que desviam o olhar, os que
tentam e-mails no dia seguinte pra tentar recuperar o flerte, os que curtem
tudo o que o outro posta no facebook, os que são stalkers, os que queimam a
largada, os que são especialistas em ouvir conversas na praia, os que vão ao
cinema sozinhos, os que almoçam com livros, os que acreditam em músicas, os que
fantasiam, os que sofrem de dor de cotovelo, os que torcem pelo divórcio
alheio, as que acham que "ele só pode ser gay", os que são pra casar, as que são pra casar, os que só querem sexo casual, os que sempre se apaixonam pelos parceiros de sexo casual, os que instagramam seus gatos seus pratos seus pés, os que sofrem de joanete no inverno, os que dão preferência ao travesseiro, os que dormem 8 horas por noite etc.
O mundo é nosso, e duas
coisas são certas: only love can break your heart (YOUNG, Neil). E tudo se
costura.
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