Estávamos no mais novo reduto de juventude da cidade, de
frente para a inscrição na parede de um sobrado caindo aos pedaços que
afirmava: “Aqui não vai ter hostel”, a resistência de Botafogo. P. estava
indócil, convencido de que eu saberia qual era a boa da noite, logo eu, cuja
última festa a que fui aconteceu em janeiro, sendo que a boa era estar ali,
ainda que minha saia rodada e meu sapato bicolor indicassem que eu deveria
estar num brechó.
Pouco depois, quando o dilema “taxi ou uber”
invariavelmente aflige os balzacos, ele perguntou se eu não queria ir pra casa
dele ouvir uns discos, tomar um vinho. Saquei a referência: Eu te amo, Jabor, 1981.
Em meio à minha risada, B. ponderou: “Em 2017 você deveria convidá-la pra ouvir
Spotify na sua casa. Spotify Premium.” Passamos o resto da noite, o que outrora se
chamaria “saideira”, pensando cantadas apropriadas para os tempos vigentes.
“Você não quer ir lá em casa ver minha horta orgânica?”
“Você não quer ir lá em casa assinar uma petição do Avaaz?”
“Você não quer ir lá em casa ouvir Belchior?” – essa resolvia
as coisas frente aos acontecimentos recentes, mas convinha ser rápido pra não
perder o timing, e ali naquele bar hipster cheio de mulheres vestidas em blusas
cropped talvez não repercutisse com a devida graça.
Milton, o taxista, chegou para pôr fim a um glossário
infame. P. maldisse o motorista, um corta-clima sem coração. Talvez no carro
dele já estivesse rolando uma trilha sonora maravilhosa com Roxette e outros
clássicos da JB FM. Mas é impressionante, 9 em cada 10 transportes privados
noturnos oferece algum hit melancólico do U2.
Antes do papo todo começar, P. tinha colocado outra
questão na roda: “Imagine que inventassem uma lei pela qual você teria
reembolso por todas as noitadas falidas da sua vida, quanto você acha que
receberia?” Pensando em juros, correção monetária e todas as tristes madrugadas
amargando música ruim no People Down – fora todos os sanduíches do BB Lanches,
os refrigerantes, os Engovs, as águas de coco, os pães de queijo, as interações
indesejadas com os porteiros do prédio, etc. etc. etc. – calculo um imóvel mal
localizado nesse Rio de Janeiro inflacionado e inoperante. Essa noite não
entraria no pacote, é sempre uma vitória chegar em casa sozinha rindo de tanta bobeira,
devorar um brownie e tomar meia lata de Coca-cola vermelha antes de dormir.