quinta-feira, 14 de agosto de 2014

Casas Bahia - vol. 4


Quando eu chego em casa nada me consola, eu disse a eles, o que era uma meia verdade, porque nesses casos eu junto algumas roupas na máquina de lavar e escolho a função “secagem”, mesmo que elas já estejam secas, e as peças saem de lá tão quentinhas que durmo de conchinha com camisetas, leggings e meias, e eles não sabem se riem ou se comentam com a minha analista, que por sua vez ri de canto de boca quando eu digo que estou às voltas com dois livros fantásticos – em duplo sentido – As cidades invisíveis, do Calvino, e O livro dos seres imaginários, do Borges, e ensaio um discurso para convencê-la de que é apenas literatura, e não sintoma de alguma coisa, como se tudo já não estivesse embaralhado o suficiente na minha cabeça, e portanto na minha vida. 

Uma das bocas do fogão não acende e eu penso que ainda tem outras 3 e que portanto posso resolver isso só quando a garantia estiver perto do fim, adiar a espera pelo técnico, adiar a solução, é muita pretensão querer consertar tudo, trocar as lâmpadas queimadas, desmontar e remontar a estante para acomodar uma televisão que é complicada demais de escolher e ter, com o conserto, mais uma chance de estragar meu jantar, que sempre fica sem sal ou meio queimado: panela antiaderente é uma das coisas mais traiçoeiras que já enfrentei na vida e não estou inteiramente convencida de que o exaustor realmente funcione, assim como nunca verifiquei se o filtro de água tá em dia mesmo, o que torna toda a lavagem dos legumes e frutas um luxo talvez desnecessário.

O negócio é que os meus amigos são muito artistas e nada práticos, eu disse a eles, querem conversar sobre filmes experimentais, política e crises existenciais e tudo o que eu queria era um cabra macho pra tocar minha campainha, subir na escada, prender os quadros, tirar o cd do Moreno Veloso que ficou no repeat enchendo a sala de uma melancolia invernal, de repente reclamar da falta da TV e consequentemente do futebol. 

Você quer casar, eles disseram, e até que fez sentido. 

quarta-feira, 9 de abril de 2014

Gávea

Envio um bilhetinho alarmista para B. e me dou conta de que ela está do outro lado do oceano. No dia seguinte vejo um email dela: "Pelo amor de deus, não vá me deixar com esse teaser aqui. Grite da praia que eu te escuto."

Conto pra ela que há cerca de duas semanas recebo massagens e moxa nos pés, feitas pelo vizinho. "Moxa é aquela acupuntura que queima na ponta?", ela pergunta. Sim. É pena que ele também vá para o outro lado do mundo dentro de 2 ou 3 dias. Ela espera que ele não volte casado. Eu também, mas é possível.


Eu digo que ao menor ruído das minhas chaves na fechadura ele abre a porta dele atrás de mim e me intercepta no hall, e que eu não sabia se isso era ele vigiando pelo olho mágico ou se tinha instalado um chip em mim.  "Você está descrevendo um homem que segue seus passos e põe fogo nos seus pés. Eu tinha entendido que era uma história romântica mas se isso for um pedido de socorro cifrado por favor responda com 3###." Ela tem sempre razão. 


quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

Saída


É complicado isso, ela disse, de terminar uma relação e tentar entender, e tentar explicar e ter que haver uma razão ou um motivo ou até mesmo uma desculpa – mas que alguma coisa seja plausível ou razoável, que uma das partes possa se reconfortar com o argumento da outra, ou fazer uma contraproposta, ou mandar o outro à merda convicto da sua raiva, sua frustração, seu alívio. É complicado, sabe, ela falou, tentar traçar um caminho pra detectar onde as coisas degringolaram, onde a impaciência ou a desconfiança, onde ficou estacionada aquela paixão que antes sem freios, pudores ou motivos. 

E é descabido, ela acrescentou, porque no começo você não fica examinando as rotas, não se ocupa em tentar prever ou elencar itens que justifiquem e você só dá a notícia aos amigos e ninguém pergunta “mas por que?” porque os amores simplesmente começam e todo mundo aceita isso. 

Você entende, ela perguntou, e eu achava que entendia e na minha cabeça era como quando você tenta cancelar sua assinatura da NET e de repente o mundo, personificado pela atendente do telemarketing, te cobra explicações e você tem de responder questões que se empilham umas sobre as outras e é um pouco por causa disso que você acaba desistindo, fica mesmo com aquela sobra de canais e aquele excesso de pagamentos, ao passo que na assinatura do pacote da tevê a cabo ninguém queria saber suas razões. 

Ela riu. Eu tomei um gole do meu drink meio envergonhada, mas no fundo quase tudo opera assim: as coisas começam porque têm que começar, mas acabar com elas é um esforço tremendo.