F., 2002:
Meu relacionamento com F.
durou o tempo que duraram os intervalos que ele teve entre um namoro e outro.
Eu já devia ter desconfiado dos meus dons da primeira vez que, percebendo o
distanciamento dele, o ouvi dizer que não estava pronto pra engatar um romance
sério, porque terminara um namoro complicado, e vivia um momento em que estava
concentrado nos estudos, porque queria estudar medicina, porque o vestibular
não estava fácil pra ninguém, porque bla bla bla enquanto eu me esforçava pra
não tremer a voz. Duas semanas depois, soube que ele estava namorando. Anos
depois, quando ele já estava se formando em economia e eu tinha largado o meu
segundo emprego em moda, nos reencontramos numa festinha. Passamos aquela e outras
4 noites juntos, nos amando loucamente. Então um dia o telefone dele tocou sem
resposta, e na semana seguinte eu soube que ele tinha encontrado seu grande
amor, e em três ou quatro meses eles dividiam um apartamento no Humaitá que,
ouvi dizer, era um pouco cafona.
R., 2006:
Ele veio brindar 2006
comigo, embora naquele réveillon eu estivesse a base de guaraná. Não fomos mais
vistos na festa, não houve fotografias que registrassem nossos sorrisos porque
nos afundamos um no outro naquela virada de ano. Ele reparou em tudo quanto se
podia reparar em mim: da flor no cabelo ao anel no dedo do pé. Eu era hippie e
não sabia. Por três semanas arrancamos suspiros por onde passamos. Ele segurava
meu rosto como quem segura um troféu, e não havia dúvidas de que estávamos
terrivelmente apaixonados um pelo outro. Era visível, as pessoas exclamavam. Um
dia ele foi comprar cigarros e nunca mais voltou: eu fiquei na praia esperando
ele chegar, telefonei, mergulhei, fiquei bronzeada, gorda, dormi demais. Meses
se passaram até que um amigo esbarrasse com ele na rua, com uma menina a
tiracolo. Tempos depois, soube que eles foram juntos pra França: ele pra cursar
um mestrado em filosofia, ela com aliança no dedo esquerdo.
P., 2009:
Ele nunca disse que
prestava, e eu nunca disse que queria alguma coisa séria, e todo mundo sabia
que a trilha sonora do nosso encontro era uma que vivia no repeat do meu
primeiro carro, e que dizia: “Don’t you know that you’re nothing more than a
one stand?” e eu já tinha idade suficiente pra entender que essa coisa casual e
passageira quase sempre me trazia problemas. Duramos duas noites, intercaladas
por meses de distância e telefonemas intermináveis que esquentavam minha
orelha, e que portanto potencializavam minhas chances de um câncer, isso porque
ele estava coordenando uma obra no interior de sabe-se lá, e me contava dos
dias, das pedaladas, e nunca falava em saudade, mas era o que parecia. Um dia,
andando por Ipanema e ainda achando que estávamos virtual e telefonicamente
juntos, dei de cara com ele numa pizzaria, sentado ao lado de uma mulher linda
e loira. Nos cumprimentamos rapidamente e eu fui chorar no banheiro, e só saí
dali quando o restaurante fechou e a faxineira me encontrou encolhida no canto.
A loira e ele estão casados, e adotaram gatos. Três. Eu jamais poderia viver
essa vida de espirros, me consolei.
Depois de tantos outros encontros que resultaram em casamentos, amores e filhos para eles, e caixas de kleenex e sessões de análise para mim, finalmente concluí, a reboque de Flaubert:
Mãe Valéria de Oxossi, c’est moi.
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