quarta-feira, 25 de julho de 2012

Voluntários da pátria




Ela abre a porta do conjugado deixando escapar Ernesto, o gato. Me abraça, resgata o gato no corredor, deposita-o em cima da cama, senta-se ao lado dele e dispara, com a voz embargada:

- Estou oca...

- Estou de férias! – emendo, porque naquele momento essa parecia uma boa combinação, porque significava que eu conseguiria ficar acordada até meia-noite e meia, porque até esse horário poderíamos cobrir todos os aspectos que a poderiam estar deixando vazia.

Ela se levanta, pega minha bolsa, pendura minha bolsa, pega a sacola do supermercado, me entrega a sacola do supermercado, alcança o maço de cigarros, se dirige até a janela, acende um Marlboro Light. Telefono para a minha avó, que mais uma vez me passa a receita dos biscoitos. Abro os armários à procura de potes e tabuleiros, ela toma a dianteira, e enquanto termina de fumar eu misturo farinha, açúcar e fécula de batata. Quando jogo os tabletes de margarina ela se voluntaria, e enquanto a massa vai se formando ela narra os últimos percalços, as brigas, os porres, o esvaziamento.

Quando a campainha soa a massa já está pronta, o primeiro tabuleiro já está no forno e Manolo adentra o ambiente. Estamos ambas sentadas nos bancos altos, um deles meio detonado por causa de Ernesto,  o gato. Manolo pega o garfo e começa a achatar as bolinhas de massa (alegoria e adereços para biscoitos amanteigados), ela ameaça jogar canela em cima, eu impeço as barbaridades e ele desabafa:

- Eu não sei o que estou fazendo de errado. Eu cutuco as pessoas certas no facebook, acesso o Grindr, fico bêbado de sexta a segunda, ando sozinho na rua à noite e nada, zero, nem um estupro... 
Elas gargalham. Terminada a função biscoito, ela prepara um chá. Manolo se atraca com a web e começa a flertar, via chat do facebook, com D., que escreve repetidas vezes palavras como “irado” e “maneiro” e sem nem mesmo saber de onde D. tecla, já sentimos o aroma da parafina, do sol, do sal, do mar.

- Eu sou muito boa com flerte alheio. – ela assegura.
- Como é isso?
- É isso. Outro dia uma amiga trocava mensagens com um fulano, e tudo estava quase perdido porque ela não tinha muito traquejo afetivo, saca? Então peguei o celular da mão dela e virei o jogo. Em mais 3 mensagens estava marcado o encontro.
- Você se fez passar pela menina?
- Sim.
- Mas isso não é antiético?!
- Não.
- Mas você está enganando uma pessoa!
- Você é ator, que questionamentos são esses agora? A sua profissão é enganar gente!
- Você se passaria por mim agora?! – pergunta o Manolo, olhos brilhando enquanto alisa as costas de Ernesto, o gato.
- Dãr!

Ela se apodera da cadeira e eu começo a fabular um serviço de flerte personalizado. Imagine: eu estou em casa, chat aberto, abordo um beltrano, a conversa não engata. Nesse momento, num chat paralelo, vou colando o que beltrano diz, dou um background básico pra ela formular a conversa e ela me dá as falas, fabrica tudo o que vou dizer em seguida etc. Já pensei em como seria ao vivo também: um sistema de escuta, um ponto no ouvido. Seria a salvação da lavoura. Flerte sob encomenda. Fim dos suores, dos rubores, das unhas roídas, das frustrações, dos dias seguintes sem histórias pra contar, das bebedeiras por prêmio de consolação. Deliro, devoro biscoitos, quase não percebo quando o Manolo se despede, sai pela porta afoito pra encontrar F., um dos mocinhos com quem ele, ou ela, já não sei mais, teclava. Ainda faltava uma hora pro encontro, mas Manolo queria passar em casa, tomar um banho, dobrar o perfume.

Quando saí da casa dela, depois de encher a cara de chá, depois dela ter fumado quase o maço todo, depois de termos recebido uma mensagem do Manolo dizendo que o cara não era lá essas coisas, reticências, dei a senha do meu email pra ela e combinei que qualquer mensagem que eu recebesse de D., G., J. ou M. deveria ser respondida única e exclusivamente por ela. Eu não tomaria conhecimento do assunto até que ela me dissesse hora, dia e lugar, porque com ela na dianteira, essas coordenadas eram o único desfecho possível. Isto é: se eles algum dia se dignassem a me escrever.

Manolo está batendo ponto: uma vez por semana, pelo menos, ele me telefona:

- Vamos fazer biscoitos?
- Outra vez?
- Ou salada, risoto, petit gâteau, miojo, qual-quer coi-sa! 

Não demora muito e eu começo uma dieta. 



2 comentários:

  1. Além de vir a minha casa ainda escreve assim! Hair vc é simplesmente o cabelo mais interessante que já esbarrei!

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  2. So de ter 4 pretendentes voce nao pode reclamar! Vai ter ate que parar de se dizer dummie! Heheheheh

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